A Torcida
Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você.
Tinha gente que torcia para você ser menino.
Outros torciam para você ser menina.
Torciam para você puxar a beleza da mãe, o bom humor do pai.
Estavam torcendo para você nascer perfeito.
Daí continuaram torcendo. Torceram pelo seu primeiro
sorriso, pela primeira palavra, pelo primeiro passo.
Seu primeiro dia de escola foi a maior torcida. E o
primeiro gol, então?
E de tanto torcerem por você, você aprendeu a torcer.
Começou a torcer para ganhar muitos presentes e flagrar
Papai Noel.
Torcia o nariz para o quiabo e a escarola.
Mas torcia por hambúrguer e refrigerante. Começou a
torcer até para um time. Provavelmente, nesse dia, você
descobriu que tem gente que torce diferente de você.
Seus pais torciam para você comer de boca fechada, tomar
banho, escovar os dentes, estudar inglês e piano. Eles
só estavam torcendo para você ser uma pessoa bacana.
Seus amigos torciam para você usar brinco, cabular aula,
falar palavrão.
Eles também estavam torcendo para você
ser bacana. Nessas horas, você só torcia para não ter
nascido. E por não saber pelo que você torcia, torcia
torcido. Torceu para seus irmãos se ferrarem, torceu
para o mundo explodir.
E quando os hormônios começaram a torcer, torceu pelo
primeiro beijo, pelo primeiro amasso. Depois começou a
torcer pela sua liberdade. Torcia para viajar com a
turma, ficar até tarde na rua. Sua mãe só torcia para
você chegar vivo em casa. Passou a torcer o nariz para
as roupas da sua irmã, para as idéias dos professores e
para qualquer opinião dos seus pais.
Todo mundo queria era torcer o seu pescoço. Foi quando até você começou a torcer pelo seu futuro.
Torceu para ser médico, músico, advogado.
Na dúvida, torceu para ser físico nuclear ou jogador de futebol.
Seus pais torciam para passar logo essa fase.
No dia do vestibular, uma grande torcida se formou.
Pais, avós, vizinhos, namoradas e todos os santos
torceram por você.
Na faculdade, então, era torcida pra todo lado. Para a
direita, esquerda, contra a corrupção, a fome na Albânia
e o preço da coxinha na cantina.
E, de torcida em torcida, um dia teve um torcicolo de
tanto olhar para ela. Primeiro, torceu para ela não ter
outro. Torceu para ela não te achar muito baixo, muito
alto, muito gordo, muito magro.
Descobriu que ela torcia igual a você. E de repente vocês estavam torcendo para não acordar desse sonho.
Torceram para ganhar a geladeira, o microondas e a grana para a viagem de lua-de-mel.
E daí pra frente você entendeu que a vida é uma grande
torcida. Porque, mesmo antes do seu filho nascer, já
tinha muita gente torcendo por ele.
Mesmo com toda essa torcida, pode ser que você ainda não
tenha conquistado algumas coisas. Mas muita gente ainda
torce por você!"
Se procurar bem você acaba encontrando!!!
Não a explicação (duvidosa) do mundo, mas
a poesia (inexplicável) da vida.
Carlos Drummond de Andrade
Bom Natal e ótimo 2012.